quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Caixinha de música e outras histórias miraculosas

A mulher e o desejo

-Noite passada sonhei com você...
-Hum,  interessante, o que foi?
- Nada. A gente trocava um calor assim de corpo...
-Ah... Então, você me deseja?
- Não, talvez devesse...

Das curvas do caminho

Houve a mulher que se abraçou ao homem. Encontrou um ninho onde pousar... Quando ele olha para as outras mulheres, ela sente-se como se de repente fosse desaparecer... Seus olhos ficam opacos e cegos, uma fúria... todo mundo vê...
O homem pondera, está ficando mais velho. Quer encontrar as ligações, não os rompimentos. Respira. Beija. Aprende. Desacelera... Erra, urra, olha... Sorri. Antigamente, era apenas um menino... Agora é moço na tentativa de amar. A beleza que existe no encontro é uma tentativa violenta de ir adiante. Ela e ele, no erro, no medo, na fraqueza, vão rompendo correntes e criando, construindo um tempo novo. A beleza que existe neste encontro é esta tentativa violenta de ser... Além do que se é...

Dos pontos e fricções

Hoje a mulher a acordou com sono... O relógio a despertou, mas ela não quis se levantar. Não para continuar no mesmo caminho... Ela exige todos os dias um silêncio desesperado, mesmo sem mais querer este silêncio... Necessita exigir, necessita ainda... Ela pode mudar os pontos e eliminar as fricções, mas necessita ainda da segurança que não encontrou em seus irmãos. O mundo criou dentro dela uma desconfiança... Uma dor lancinante... E ela não quer doer...
Ela quer doar. Sorrir. Amar. Conversar com seus pares. Olhar nos olhos de seus amores. Afagar seus inimigos. Diminuir suas dores. Ela quer um tempo sem pressa. De ir devagar aonde quer que seja...
Quer um colo onde repousar. Um abrigo para onde voltar. Um coração que palpite junto ao dela. Alguém que ouça a mesma música, que dance a mesma canção. Ou que cante e dance apenas, porque é bom, porque faz bem. Que beije, porque é gostoso, sem nenhum porque...
Aos poucos ela vai tentando tirar o coração da caixinha.

Da caixinha de música e a bailarina - A história da mulher.

Botei meu coração dentro daquela caixinha de música. Porque acreditei que seria bom esconderijo. Hoje em dia ninguém mais se importa com caixinhas de música, nem bailarinas que rodopiam junto ao som que da caixinha ecoa... Meu coração ficou ali, bem guardado. Ninguém nunca mais mexeu... nem eu...
Perdi o pulsar, meu sangue parou... Estanquei de repente apática. Todo o viver notório vermelho que me entusiasmaria virou água de batata... Como compreender esta paralisação tamanha do meu ser. Se neste momento necessitava ser pleno reverdecer. Como enxugar as lágrimas que se juntam em prantos, sem rolar... Porque os gritos cotidianos as espantam, ficam se acumulando no meu coração guardado na caixinha.
A bailarina se sentiu muito incomodada, em dividir espaço com um ser tão inútil. Meu coração fora do peito, sem valia nenhuma. Botou o meu coração para fora, e como há muito não via luz do dia, se animou a dançar. Eis que vi meu coração pulsando e algo em mim se encheu de nova esperança, branda e ao mesmo tempo profunda. Um azul clareou no céu.
A bailarina girando sobre o espelho da caixinha, fez meu coração palpitar de alegria. Sinto novamente os batimentos... Já não andam tão acelerados, mais confiantes, maduro coração... quem sabe?
Gira bailarina no tablado da vida, que mais válida é a história de quem ousou...

Das temperanças,  do sol e da chuva.

Respira fundo a menina. Mais uma vez lhe foi negado o que mais desejava. O amor que mais esperou. Mesmo assim, a menina se encanta, porque o sol vai alto no céu e ela pode caminhar pela grama. Subir na árvore, conversar com o senhor passarinho:
- O senhor acredita senhor passarinho? Nem um abraço me deu.
Passarinho olha a menina compreensivo quase... E avoa. A menina sorri de contentamento. Quer voar com o passarinho para longe. Desfazer o que é. E fazer o que não é. Descobrir maneiras de ser mais forte. De não chorar tanto, como às vezes ela chora.
Sobre a árvore, à beira do rio, ela conversa:
- Senhora Dona Árvore, eu tenho cinco anos! A Senhora me concede um desejo?
A árvore assente no pedido. E a menina continua:
- Sabe Senhora Dona Árvore, eu às vezes me sinto sozinha. Meus amiguinhos não compreendem o que eu digo... De vez em quando posso vir conversar com Senhora, te dar um abraço e ouvir uns conselhos?
Vento agita as folhas da árvore e uma borboleta amarela voou quase na fronte da menina que sorriu alegre alegre da resposta da Senhora Dona Árvore...
- Sabe Senhora Dona Árvore, a Senhora é muito gentil. Muito obrigada.
E eis que a menina avista de longe seus amiguinhos da rua chegando. A alegria do brinquedo assoma à face pequenina dela. Mas, o céu anda cinza e parece vem chegando algo no céu...
- Chuvaaaaaaaaaaaa!!!
Ela nem se despede da sua mais nova amiga árvore, tamanho seu contentamento da água que vem descendo grossa do céu... Pula, canta e dança. Seus amiguinhos vem correndo ao seu encontro...
- Lalinha, a gente tava te procurando!!!
Todos estão entusiasmados com a chuva e a menina se abraça e pula e corre e sorri!!!
Mas alguém se lembra:
- Lalinha aonde você estava?
Com um brilho inocente na fala e no olhar a menina responde espontânea:
- Estava fazendo novos amigos!!!
Ninguém entende muito bem o que ela quis dizer, não tem ninguém por ali...  mas um raio estrondou ativando os gritos da molecada!
- Vamos brincar de esconde - esconde?
- Vamos!!!
- Mas, primeiro de pega- pega!!!
- Comigo não morreu!!!  
E a folia continua.

Danieli de Castro




quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Dia Mundial da Gentileza


Gentileza - Marisa Monte

Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
A palavra no muro
Ficou coberta de tinta
Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
Só ficou no muro
Tristeza e tinta fresca
Nós que passamos apressados
Pelas ruas da cidade
Merecemos ler as letras
E as palavras de gentileza
Por isso eu pergunto
A você no mundo
Se é mais inteligente
O livro ou a sabedoria
O mundo é uma escola
A vida é o circo
"Amor: palavra que liberta"
Já dizia o profeta

domingo, 9 de novembro de 2014

" aquela que compreende"...


A bela Fahima

Há muito tempo viveu na cidade de Basra uma jovem chamada Fahima. Ela pertencia a uma nobre e antiga família e desde pequena impressionava a todos por sua beleza e principalmente por sua rara inteligência. Seu nome queria dizer " aquela que compreende" e, de fato, ela parecia ser capaz de prever acontecimentos e ler pensamentos secretos. Herdeira de uma grande fortuna, vivia assediada pelos mais diferentes tipos de pretendentes. Mas eles não conseguiam dizer nada quando se apresentavam diante dela. Seu olhar penetrante impedia que pronunciassem qualquer palavra. A confusão e a frieza que ela percebia na alma dos homens a deixavam desolada, e então ela resolveu se fechar no castelo dos seus antepassados, decidida a não ver nem falar com nenhum homem.
Um dia ela estava no terraço contemplando distraidamente a paisagem. Bem naquele momento o príncipe de Basra passava por ali. Ele a viu e imediatamente apaixonou-se por ela. Essa visão o perseguiu o resto do dia e, estando acostumado a tomar decisões rápidas e impetuosas, foi procurá-la nessa mesma noite. Sem esperar que o anunciassem, forçou os portões do castelo, atravessou o pátio e, assim que chegou diante de Fahima, no meio do jardim, foi logo dizendo que ela deveria casar-se com ele.
Ela não respondeu, apenas ficou olhando para ele de um jeito que deixaria qualquer homem com o sentimento de ser a pessoa mais desprezível do mundo. Mas o príncipe enfrentou seu olhar e Fahima surpreendeu-se. O que ela viu dentro dos olhos daquele homem a agradou muito. Mesmo assim ela disse:
- Vá embora. Você não é digno do meu coração.
O príncipe ficou furioso. Nunca o haviam tratado daquela maneira, nenhuma mulher havia recusado qualquer coisa que ele tivesse desejado. Tropeçando em seus próprios passos, foi até a entrada do castelo, onde seus guardas o esperavam. Aos gritos, ordenou-lhes que prendessem a jovem e a levassem ao calabouço de seu palácio. E lá eles a deixaram, numa cela subterrânea e escura.
Na manhã seguinte, o príncipe foi vê-la e a encontrou imóvel, como se tivesse passado a noite inteira sentada, aguardando sua chegada.
- Agora você já conhece meu poder - disse o príncipe - e sabe do que sou capaz. Eu ainda quero casar-me com você, e basta que você aceite para que deixe de ser minha prisioneira. Se concordar em ser minha mulher, vai conhecer também a intensidade do meu amor, mas se não me quiser, saiba que não vai sair desta cela nunca mais.
Fahima permaneceu em silêncio, nem sequer olhou para ele.
O príncipe tentou convencê-la numa confusão de palavras às vezes enraivecidas, às vezes cheia de paixão. Mas nada adiantou.
O príncipe retirou-se completamente inconformado. Não passou um dia sem que ele voltasse ao calabouço. Todas as vezes ele falava de seu amor tumultuado, mas ela sempre permaneceu no mais profundo silêncio.
Meses depois, Fahima escutou quando os guardas comentavam que o príncipe estava de partida para Bagdá, onde deveria ficar um longo tempo. Imediatamente percebeu que havia chegado a hora de deixar aquele lugar. Ela podia fazê-lo, porque durante todo o tempo em que estivera prisioneira, dia após dia, havia cavado a parede sem que ninguém visse, abrindo assim um túnel que atravessava a espessa muralha. Sem dificuldade, atravessou-o durante a noite e, quando alcançou a luz da lua, foi até seu castelo, onde se preparou para viajar. Montada no melhor cavalo que possuía, Fahima dirigiu-se para Bagdá.
Logo que chegou, procurou uma casa bem na rua principal da cidade, que era passagem obrigatória para o palácio do califa. Depois foi ao mercado e comprou loções, cremes e pós que a ajudaram a mudar de aparência. Tingiu os cabelos com hena, penteou-os de um modo diferente, vestiu novas roupas e em pouco tempo parecia uma outra mulher.
O príncipe chegou à cidade, depois de ter parado várias vezes durante a viagem para encontrar-se com amigos que lhe ofereciam banquetes e festas.
Quando cavalgava em direção ao palácio real, viu uma mulher belíssima à janela de uma casa imponente. Puxou as rédeas do cavalo e parou para contemplá-la maravilhado. Nem de longe reconheceu Fahima sob o disfarce daquela que lhe pareceu uma doce mulher. Assim que chegou ao palácio, ordenou a um serviçal que fosse convidar a senhora daquela casa para jantar com o príncipe de Basra.
Fahima aceitou o convite e nessa mesma noite concordou em casar-se com o príncipe, como se fosse mesmo uma outra mulher. Os dois viveram um ano de enorme felicidade, e um dia ela lhe disse que estava esperando uma criança. O príncipe teve uma grande alegria, mas não pôde esperar para ver se ia nascer um filho ou uma filha, pois foi chamado às pressas à cidade de Trípoli, onde negócios urgentes o aguardavam. No mesmo dia de sua partida, Fahima deu à luz uma menina e pouco tempo depois entregou a filha a uma ama de absoluta confiança, recomendando-lhe que cuidasse muito bem dela, até sua volta. Em seguida selou seu cavalo e foi também para a cidade de Trípoli. Lá ela alugou uma casa suntuosa e novamente mudou a cor de seus cabelos, vestiu outro tipo de roupa e esperou pelo príncipe completamente transformada.
Quando ele a viu sentiu o mesmo desejo de casar-se com ela, pensando mais uma vez que se tratava de uma outra mulher. Durante um ano eles viveram felizes, até que Fahima teve um filho. Ainda que estivesse encantado com o menino, não demorou para que o príncipe partisse para uma nova viagem, dessa vez na direção de Alexandria.
Deixando o filho com uma serva em quem confiava inteiramente, Fahima foi também para aquela cidade, e não é preciso dizer que tudo se passou como das outras vezes. E mais uma criança nasceu.
Um dia Fahima percebeu que o príncipe andava quieto, pensativo. Ela soube imediatamente que ele sentia saudades de sua cidade natal, e dessa vez ela partiu antes dele, tendo como sempre confiado seu filho a uma serva fiel. Voltou rapidamente para o calabouço onde ficara longo tempo e esperou a chegada do príncipe. Um dia ela adivinhou que ele descia as escadas que levavam à sua cela, pela cadência tão conhecida de seus passos, pela luz do archote que se adiantava à sua presença. Mas a pessoa que surgiu diante dela atrás das grades era um homem muito diferente. O rosto barbudo, o olhar angustiado, a voz cansada. Cheio de remorsos, sentia-se infeliz como nunca.
- Fahima - ele disse -, eu vim aqui para dizer que você está livre.
- O que aconteceu durante sua ausência? - ela perguntou. - Conte- me tudo, confie em mim.
- Não importa - respondeu o príncipe. - Só posso lhe dizer que agora entendo que você é a única mulher que eu amei e por isso mesmo quero deixá-la livre.
- Diga- me toda a verdade - insistiu Fahima. - E saiba que sou a única que pessoa que pode ajudá-lo.
- Posso lhe contar tudo, mas isso não vai mudar nada - respondeu o príncipe com voz desolada. - Eu permiti que você ficasse presa tanto tempo e enquanto isso fiz coisas que não devia ter feito, não sou mais o mesmo homem. Não sou digno de você, nem do seu amor.ç
E o príncipe foi falando de suas viagens e contou sobre as mulheres e filhos que havia deixado para trás.
Quando terminou seu triste relato, Fahima lhe disse:
- Vá até a sala do trono e espere até que anunciem a chegada de uma pessoa, que você deverá receber imediatamente.
- Não entendo o que você diz- falou o príncipe. - A porta da cela está aberta. Quero que me perdoe e que possa ser feliz longe daqui.
Sem mais nenhuma palavra o príncipe subiu as escadas e foi até a sala do trono. Lá deixou-se ficar em silêncio, com a cabeça entre as mãos, indiferente ao movimento dos cortesãos à sua volta. Quando anunciaram que uma nobre dama com três crianças queria vê-lo, ordenou que os guardas a deixassem entrar. Logo as portas se abriram, e uma mulher ricamente vestida com roupas da mais fina seda e jóias magníficas, acompanhada de três adoráveis crianças, entrou lentamente na sala do trono. A princípio não reconheceu Fahima, mas à medida que ela se aproximava, um claro desenho formou-se de repente no seu espírito. Foi só então que ele percebeu que as suas quatro mulheres eram na verdade uma só, que lhe havia dado três filhos. A mesma mulher que, no mais completo silêncio e com profunda paciência, havia permitido que ele aprendesse sozinho tudo o que precisava saber sobre sua própria pessoa.
Aquela foi uma família feliz.

Conto árabe 
Recontado por 
Regina Machado 

domingo, 2 de novembro de 2014

Saudade de Minas Gerais...


Los ríos acuden

Amada de los ríos, combatida
por agua azul y gotas transparentes,
como un árbol de venas es tu espectro
de diosa oscura que muerde manzanas:
al despertar desnuda entonces,
eras tatuada por los ríos,
y en la altura mojada tu cabeza
llenaba el mundo con nuevos rocíos.
Te trepidaba el agua en la cintura
y te brillaban lagos en la frente.
De tu espesura madre recogías
el agua como láfrimas vitales,
y arrastrabas los cuaces a la arena
a través de la noche planetaria,
cruzando ásperas piedras dilitadas,
rompiendo en el camino
todo la sal de la geología,
cortando bosques de compactos muros,
apartando los músculos del cuarzo.

Pablo Neruda

Serena...


Raízes

A cada passo uma paisagem
eu ouvi a mulher dizer de sua cultura
Aquela outra zangar de um sentimento
Num dia em que passei quase todo dormindo...

Fugindo de me lembrar que fui vil
aos olhos do homem que julga
que recebi um silêncio
daquele homem que amo...

A cada passo uma pergunta
que não me apresso em responder:
o sangue pulsa biológico
até que eu alcance o meu reverdecer...

Sutis palavras que chamam a chuva
para lavar as impurezas de uma alma indecisa
se ele me dissesse mil palavras duras e me
ainda me desse um golpe, eu morreria...

Mas, ele encontrou uma história bonita para contar...
Me abraçou apertado... meus olhos se fecharam tristes...
Ele me beijou os cabelos, sem me soltar
E disse: "Acalma esse coração, minha filha..."

Só mesmo o Sabiá Laranjeira me fez sorrir
Da gravidade da vida, me fez esquecer
Conversei com as árvores e pisei na terra
A natureza é o nosso maior refúgio...

Ainda existe no peito a calada incerteza
que me faz hesitar entre dois caminhos...
eu só quero dizer: Me mata incerteza.
Me deixa reviver, brotar da Terra:

Reflorescer...

Danieli de Castro