sexta-feira, 21 de abril de 2017

A duração do dia


Tão bom aqui

Me escondo no porão
para melhor aproveitar o dia
e seu plantel de cigarras.
Entrei aqui pra rezar,
agradecer a Deus este conforto gigante.
Meu corpo velho descansa regalado,
tenho sono e posso dormir,
tenho comido e bebido sem pagar.
O dia lá fora é quente,
a água na bilha é fresca,
acredito que sugestiono elétrons.
Eu só quero saber do microcosmo,
o de tanta realidade que nem há.
Na partícula visível da poeira
em onda invisível dança e luz.
Ao cheiro de café minhas narinas vibram,
alguém vai me chamar.
Responderei amorosa,
refeita de sono bom.
Fora que alguém me ama,
eu nada sei de mim.

Adélia Prado


segunda-feira, 10 de abril de 2017


A Ilha das Sereias

Quando os anfitriões, seus bons amigos,
já tarde, ao retornar, no fim do dia,
indagavam das provas e dos perigos
por que passara, ele não sabia

como alertá-los , que palavra rude
ele usaria para reviver,
no mar que o azul reveste de quietude,
o dourado das ilhas do prazer

cuja visão faz com que até o perigo
mude de forma: não mais no castigo
e no furor do vento costumeiros;
no silêncio ele atinge os marinheiros,

que sabem que nos pélagos extremos
Daquelas ilhas de ouro acha-se o canto;
que eles, às cegas, se agarram aos remos,
sitiados pelo encanto

do silêncio, como se ele ocupasse
todo o espaço que existe
e a sua outra face
fosse esse canto a que ninguém resiste.

Rainer Maria Rilke