Uma Duas



Um ódio praticado diariamente, ressentido... Laura vive um encontro desencontro consigo mesma e seu ponto de partida é sua mãe. As duas são protagonistas de sua própria história e se confundem na crença de que são fisicamente parte uma da outra. 
Com palavras de sangue, Eliane Brum conduz esta história com uma enorme fidelidade de sensações, de emoções, parece uma vida que pulsa sem parar em cada uma das letras gravadas em vermelho nas páginas de seu livro. 
Nós somos todos parte de um mesmo gene... Este livro é uma profunda reflexão que parte do que se supõe normal, para uma libertação que não se espera mais... É o auge do amor em todos os sentidos! 

Em seu livro de estreia na Literatura, Eliane Brum é magistral em palavras vermelhas e redentoras, não no sentido religioso da palavra, mas do ponto vista mais profundamente humano!


Alguns saborosos petiscos avermelhados:

" A porta aberta. Demora a compreender a porta aberta. Onde a mãe está? Ela não enxerga. Um toque quase imperceptível na canela direita. A mãe. A carne enrodilhada no chão é a mãe. Quando o reconhecimento alcança seu cérebro como uma daquelas balas que se espatifam por dentro em milhões de estilhaços, ela grita. E por um instante está no fundo da piscina berrando no silêncio enquanto a água lhe enche os pulmões e a leva para um lugar sem sofrimento. E a mãe puxando- a pelos cabelos à superfície porque nunca a deixará partir. A dor agora ardendo nos pulmões e misturando o sal das lágrimas com o cloro que lhe escorre pelos olhos. E ela está de novo ali, na superfície, respirando em espasmos no mais completo silêncio porque as palavras foram sempre tão deficientes para a sua dor que nem sequer se dá ao trabalho de buscá-las. Desta vez, porém, é a sua voz que grita diante da carne enrodilhada aos seus pés. Finalmente o grito preso ali se solta. E ela sente que nunca mais o grito cessará, que aquele grito é para sempre, é um grito para toda a vida e para além da vida. Porque agora ela alcança a inteireza do horror. E gritos são coisas que não viram palavras, palavras que não podem ser ditas. Não há como escapar da carne da mãe. O útero é para sempre.
p. 13,14

"Sinto mais do que ouço, um ruído na minha espinha. Um clec. E desando a chorar. Estou me liquefazendo, digo a ele. E ele diz. Está tudo bem. E está. Choro sem correnteza agora, um riacho manso entre pedras redondas. Penso que choro pela extensão da minha existência. Mas talvez seja só impressão. Enquanto as mãos dele continuarem sobre mim, está tudo bem. As mãos dele delimitam o território do meu corpo. Você me deu um corpo, eu digo. Não, ele sorri. Só estou lembrando a você que ele é seu. E que nem sempre dói."
p. 157

BRUM ,  Eliane. Uma Duas.  São Paulo: Leya. 2011