quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Des gens qui s´embrassent


Quase três décadas

Um desapontamento
crescendo no peito 
a certeza de um fim 

Indesejável... 
Indesejado 

Necessário. 

Uma história e um ponto final. 
Meia história e uma reticência. 
Uma história inteira com fim fatal... 

Quando todas as energias 
quedam mortas e as esperanças 
se desvanecem... 

O tempo das incertezas emocionais. 

A vida é cíclica e 
íntegra.

Tudo faz parte de tudo 
Somos todos parte do Todo. 

O amor a seiva que 
faz respirar
o Cosmos... 

Gratidão no peito
Paz no coração: 

Desejo de integração. 

Danieli de Castro

Série Constituições amorosas

Grupo de Capoeira Nova Geração de Angola - Mestre Pernalonga

Samba de roda

Avoo avoo avoo
Avoo avoo avoo

No berço do rio tem um peixe dourado
Menina bonita com seu namorado
Penteando seus cabelos
Com pentinho de barbatana
Deusa!

Quem me dera ser candeia, amor
Pra iluminar sua cama, iá!

Marte em Escorpião...


A história de Lily Braun - Chico Buarque

Como num romance
O homem dos meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam
Feito um zoom
Ele me comia
Com aqueles olhos
De comer fotografia
Eu disse cheese
E de close em close
Fui perdendo a pose
E até sorri, feliz
E voltou
Me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão
Foi desde então ficando flou
Como no cinema
Me mandava às vezes
Uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito uma gema
Me desmilinguindo toda
Ao som do blues
Abusou do scotch
Disse que meu corpo
Era só dele aquela noite
Eu disse please
Xale no decote
Disparei com as faces
Rubras e febris
E voltou
No derradeiro show
Com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus
Já vou com os meus
Numa turnê
Como amar esposa
Disse ele que agora
Só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar
Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz

Por que não dançam?


Disritmia - Ney Matogrosso

Eu quero me esconder debaixo
Dessa sua saia pra fugir do mundo.
Pretendo também me embrenhar
No emaranhado desses seus cabelos.
Preciso transfundir seu sangue
Pro meu coração, que é tão vagabundo.
Me deixa te trazer um dengo
Prá num cafuné fazer os meus apelos.
Me deixa te trazer um dengo
Pra num cafuné fazer os meus apelos.
Eu quero ser exorcizado
Pela água benta desse olhar infindo.
Que bom é ser fotografado,
Mas pelas retinas desses olhos lindos.
Me deixe hipnotizado
Pra acabar de vez com essa disritmia.
Vem logo! Vem curar teu nego
Que chegou de porre lá da boemia.
Vem logo! Vem curar teu nego
Que chegou de porre lá da boemia.

Inesperada


Baú - Mombojó

No baú vai ser achado
A sua estrela renascerá
A janela tá aberta
A casa é sua, pode morar


Me falta alguém
Falta alguém trazer prazer


Durmo sempre no meu quarto sozinho
Esperando você chegar
A janela tá aberta
A casa é sua, pode morar
Pode também morar


Os dias vão me mostrando o que sei
Mas não quero acreditar
Não tenho sentimentos nem hora
Agora nada mais importa
Se nada me acalmar
Nada mais vai importar

Desencontrários


A rede - Lenine

Nenhum aquário é maior do que o mar
Mas o mar espelhado em seus olhos
Maior, me causa um efeito
De concha no ouvido, barulho de mar
Pipoco de onda, ribombo de espuma e sal
Nenhuma taça me mata a sede
Mas o sarrabulho me embriaga
Mergulho na onda vaga
Eu caio na rede
Não tem quem não caia
Eu caio na rede
Não tem quem não caia
Eu caio na rede
Às vezes eu penso que sai dos teus olhos o feixe
De raio que controla a onda cerebral do peixe
Às vezes eu penso que sai dos teus olhos o feixe
De raio que controla a onda cerebral do peixe
Nenhuma rede é maior do que o mar
Nem quando ultrapassa o tamanho da Terra
Nem quando ela acerta, nem quando ela erra
Nem quando ela envolve todo o planeta
Explode, devolve pro seu olhar
O tanto de tudo que eu tô pra te dar
Se a rede é maior do que o meu amor
Não tem quem me prove
Se a rede é maior do que o meu amor
Não tem quem me prove
Se a rede é maior do que o meu amor
Não tem quem me prove
Se a rede é maior do que o meu amor
Não tem quem me prove
Às vezes eu penso que sai dos teus olhos o feixe
De raio que controla a onda cerebral do peixe
Às vezes eu penso que sai dos teus olhos o feixe
De raio que controla a onda cerebral do peixe
(Eu caio na rede, não tem quem não caia)
Se a rede é maior do que o meu amor, não tem quem me prove
Eu caio na rede, não tem quem não caia 

Les chansons d´amour


Amor indeciso - Jovelina Pérola Negra

Esse seu amor...
Eu não estou entendendo 
Um dia você não me quer 
No outro tá me querendo

você não me olha 
Eu não te olho
você só me olha se
Eu te olhar
você não me esbarra
Eu não te esbarro
você só me esbarra 
Se eu te esbarrar

você não me abraça
Eu não te abraço
você só me abraça 
Se eu te abraçar
você não me beija
Eu não te beijo
Eu só te beijo
Se tu me beijar
Esse seu amor...
Eu não estou entendendo 
Um dia você não me quer 
No outro tá me querendo

você não me alisa
Eu não te aliso
você só me alisa
Se eu te alisar
você não me aperta
Eu não te aperto
você só me aperta
Se eu te apertar

você não me ama
Eu não te amo
você só me ama
Se eu te amar
você não cutuca
Eu não cutuco 
você só cutuca 
Se eu te cutucar
Esse seu amor...
Eu não estou entendendo 
Um dia você não me quer 
No outro tá me querendo

você não me pega 
Eu não te pego
você só me pega
Se eu te pegar
você não me esquenta
Eu não te esquento
você só me esquenta
Se eu te esquentar

você não me deseja
Eu não te desjo
você só me deseja
Se eu te desejar
você não furunfa
Eu não furunfo 
Eu só furunfo 
Se tu furunfar


Esse seu amor...
Eu não estou entendendo 
Um dia você não me quer 
No outro tá me querendo

domingo, 25 de agosto de 2013


Início

Primeiro o frio rompe a noite e
traz uma dúvida
mexemexendo...

A estrela mais bela
aquece a mente
dela.

A mulher saiu.

Sem destino, vai observando
o caminho, sem pressa
para voltar.

A beleza da noite
é a lua minguando
perante os olhos dela.

A mulher sorriu.

No peito pulsando
a alegria indescritível
de viver.

É o começo
de uma nova história.

A mulher descobriu:

Danieli de Castro

terça-feira, 20 de agosto de 2013


As três romãs

Era uma vez uma princesa que sabia muito bem o que queria. Ela passava as tardes na janela do seu quarto, que ficava num palácio de paredes de prata, que ficava num vale, onde havia um lago, que refletia a luz do sol. Como todas as princesas de verdade, era bela. No seu rosto ela reunia a beleza de todas as mulheres do mundo, e no seu canto havia a melodia nem sequer sonhada pelos corações mais apaixonados. Ela sabia esperar. Príncipes valorosos de todas as partes do mundo viajaram muitas léguas para pedir sua mão em casamento, ajoelharam-se diante dela, prometeram-lhe as riquezas do céu e dos mares. Ela mal escutava suas palavras exaltadas. Esperando outra voz, vinda de um outro lugar, ela os despedia, distraída.
Um dia, preocupado com tantas recusas, o rei - seu pai - a chamou e ordenou-lhe que escolhesse logo um marido, de acordo com o costume.
- O que deve ser, meu pai - respondeu a princesa -, nem sempre acontece. Eu já escolhi o homem com quem poderei me casar, de acordo com minha vontade. Só não sei bem se está de acordo com a sua.
Dizendo isso, a princesa levou o rei até a janela do seu quarto, de onde ela costumava ver todos os dias o mercado lá embaixo, com seus artesãos e mercadorias de todas as cores.
- Está vendo aquele homem sentado trançando um cesto, no meio das palhas, embaixo daquela tenda verde?  - ela perguntou, apontando na direção de um canto da praça.
O rei procurou com os olhos e acabou encontrando um homem alto, com a pele queimada do sol, mãos grandes e calejadas de trabalhador, roupas gastas e aspecto rude. Ele não podia acreditar que sua filha preferisse um simples cesteiro em lugar de tantos nobres que a tinham cortejado.
- Senhor meu pai, saiba que é com esse homem que quero me casar e com nenhum outro.
O rei tentou dissuadi-la, mas foi em vão. Vendo que a princesa estava firme em sua decisão, ele disse finalmente:
- Já que é assim, não vou impedir esse casamento insensato. Mas nunca mais você poderá voltar a esse palácio, por nenhuma razão que seja.
A princesa olhou o rei pela última vez, desceu as imensas escadarias do palácio, atravessou os jardins e saiu pelo portão fortificado, deixando pra sempre o lugar onde tinha passado toda a sua vida. Quando chegou lá embaixo no mercado, caminhou até a tenda do cesteiro, que se chamava Gambar.
A conversa que se passou entre eles foi muito curta, espantosamente simples.
O cesteiro ficou espantado ao ver a princesa diante dele, sorrindo para ele.
- Vejo- a todos os dias na janela - ele disse - , mas jamais imaginei que fosse tão bela. Por favor, diga o que quer comprar e depois vá logo embora, porque a memória do breve instante da sua presença guiará os meus dias daqui para a frente.
 - Gambar - respondeu a princesa - , eu não quero comprar nada, vim até aqui para pedir que se case comigo.
- Mas eu não tenho nada para abrigá-la além da minha pequena casa de taipa - disse Gambar com alegria por dentro da voz.
- Você sabe que eu quero apenas abrigo no seu coração, Gambar. O resto, a gente resolve de algum jeito, você não acha?
Nenhum dos dois disse mais nada. O certo é que desse dia em diante a princesa começou uma nova vida na pequena casa de taipa, ao lado do cesteiro Gambar. E viviam muito felizes, até que um dia, enquanto conversavam antes de dormir, a princesa disse:
- Gambar, você trabalha muito e não recebe o quanto merece pelo seu esforço. Veja suas mãos cheias de calos, a fadiga que se apodera do seu corpo todos os dias. E o que você ganha com isso? Muito pouco, não vale a pena tanto sacrifício. Por que não procura um outro trabalho menos cansativo e mais rendoso?
No dia seguinte, enquanto pensava nas palavras da princesa, Gambar encontrou um mercador na praça. O homem viajava pelo mundo com seus animais carregados de mercadorias preciosas e estava procurando um acompanhante para ajudá-lo nas obrigações de todos os dias. Gambar lhe pareceu a pessoa ideal, com seu jeito quieto e confiável, seu sorriso franco e sua disposição para trabalhar. Os dois se entenderam perfeitamente e combinaram seguir viagem na manhã seguinte.
Quando chegou em casa, Gambar abraçou a princesa e contou-lhe a novidade.
- Seguindo seu conselho- ele disse-, eu encontrei um trabalho melhor. Vou ganhar muito mais dinheiro, mas para isso terei que me ausentar por um longo tempo, ainda que me custe muito separar-me de você.
- Mesmo sabendo que vou sentir sua falta a cada minuto - ela respondeu- , não precisa se preocupar. Eu saberei esperá-lo pensando no dia da sua volta.
Eles foram para a cama e passaram sua última noite juntos antes da partida de Gambar. Amaram-se sem pressa, trocando segredos. Despediram-se quando amanheceu o dia, e Gambar tomou o caminho do mundo, na grande caravana do mercador.
Durante muito tempo viajaram por cidades desconhecidas, florestas, rios e montanhas, até que um dia chegaram a um deserto escaldante. Depois de muito procurarem, encontraram um poço e pararam para descansar.
Enquanto isso, lá na aldeia de Gambar, a princesa deu à luz uma criança. Embalando o filho nos braços, ela cantava doces cantigas dos seus antepassados e tentava imaginar onde estaria Gambar naquele momento sem saber do filho que acabava de nascer.
Lá no deserto, Gambar entrou no poço com uma corda atada à cintura, para dar de beber aos animais da caravana. Ele mergulhava o balde na água e o estendia para o mercador, inúmeras vezes, até que todos tivessem bebido. Quando foi sair do poço, aconteceu uma coisa muito estranha. De repente a corda se soltou da sua cintura, como se mãos invisíveis a tivessem desatado, e ele caiu no fundo do poço. Foi caindo vertiginosamente, por um corredor escuro, cada vez mais para baixo, até que chegou a um lugar que parecia completamente seco, onde não se enxergava nada. Foi tateando pelo chão, encontrou uma parede e em seguida a maçaneta de uma porta. Assim que a abriu, viu-se em uma sala deslumbrante. O assoalho era de ouro, as paredes de lápis-lazúli, o teto incrustado de diamantes e pedras preciosas. Bem à sua frente estavam três jovens sentadas num banco, bordando um tapete com fios de seda de todas as cores. Num canto da sala havia uma mesa, sobre a qual estava uma rã em cima de uma bandeja de prata. A rã não se mexia e olhava sem parar para um jovem que parecia um príncipe, sentado numa cadeira virada para ela, olhando- a fixamente.
- Jovem estrangeiro - disse uma das moças, interrompendo o espanto de Gambar diante daquela cena inusitada - , temos umas perguntas para lhe fazer. Quem, dentre nós, é a criatura mais desejável deste lugar? Por que este príncipe não tira os olhos desta rã? Por acaso ela é melhor e mais bela do que nós?
- Não existe ninguém melhor para um homem do que a mulher que ele ama - disse Gambar.
Nesse mesmo instante a rã caiu no chão, como que atingida por um raio. Sua pele se abriu e de dentro dela surgiu uma jovem tão deslumbrante que as outras três pareciam sombras esmaecidas diante dela. A jovem correu para o príncipe e eles ficaram um tempo abraçados, em silêncio. Depois o príncipe dirigiu-se a Gambar:
- Suas palavras desencantaram minha amada, que tinha sido transformada em rã por um feiticeiro que a desejava. Você merece uma recompensa, estrangeiro de alma franca.
Ele ordenou que uma das jovens fosse até a sala vizinha e ela voltou logo depois com três romãs, que entregou a Gambar. Recebendo com alegria o presente, mesmo sendo tão singelo, Gambar se despediu daquelas pessoas e saiu por onde havia entrado. Atou a corda à cintura e o mercador o puxou de volta à superfície. Contou ao mercador o que havia acontecido nas profundezas do poço, e a caravana retomou a viagem. No caminho cruzaram com um outro mercador, que voltava para a cidade de Gambar.
- Por favor, amigo- disse-lhe Gambar - , leve essas frutas para minha mulher, a princesa. Conte-lhe que penso nela o tempo todo e que logo voltarei para casa.
Assim que chegou à cidade o mercador procurou pela princesa e entregou-lhe as três romãs. Sabendo que era um presente de Gambar, ela ficou muito feliz e colocou as frutas sobre a mesa. Pegou uma faca e abriu uma delas. Seu espanto foi enorme: um brilho de finos raios de luz surgiu de dentro da romã e espalhou-se pela sala, iluminando- a toda. Em vez dos pequenos e suculentos gominhos vermelhos, havia lá dentro pérolas puríssimas, uma ao lado da outra. Ela partiu a segunda fruta, e lá estavam rubis e esmeraldas. Partiu a terceira e lá dentro encontrou valiosos diamantes.
Lá longe onde estava, Gambar não aguentou mais de tanta saudade da sua princesa. Despediu-se do mercador, recebeu o que lhe era devido por seu trabalho e tomou o caminho de volta para casa. Pareceu-lhe dessa vez um caminho mais longo, tal era seu desejo de rever a princesa. Finalmente ele avistou o campo de trigo que ficava nos arredores da sua cidade e passou por um grande rebanho de carneiros. Gambar perguntou ao pastor de quem eram aqueles carneiros.
- Senhor - ele respondeu respeitosamente -, estes carneiros pertencem a Gambar, o marido da princesa.
Gambar não entendeu a resposta e pensou que o homem devia estar fazendo alguma confusão. Sem dar muita importância ao assunto, já que tudo o que ele queria era encontrar a princesa, continuou pelo caminho, atravessou o rio que margeava a cidade e foi se aproximando alegremente da sua entrada. Encontrou muitas vacas pastando perto dos muros da cidade e perguntou a um homem que passava de quem eram aquelas vacas.
- Gambar, o marido da princesa, é o dono de todas elas - respondeu o homem.
Dessa vez Gambar se inquietou. O que estaria acontecendo com aquelas pessoas? " A mesma resposta sem sentido, duas vezes seguidas", ele pensou. Que explicação haveria para tamanha loucura?
Ele entrou na cidade e, ao virar uma esquina de onde costumava ver sua pequena casa de taipa, parou estarrecido. A casa não estava mais lá. No seu lugar havia um imenso palácio de mármore e janelas de ouro, uma cúpula cor de esmeralda com arabescos de prata, muito mais suntuoso do que o palácio real.
" O que fizeram com minha princesa?", ele pensou angustiado. "Para onde ela foi?"
Ele resolveu entrar no palácio para indagar se alguém saberia informar alguma coisa sobre sua mulher, e atravessou o pátio deserto com o coração apertado. Avistou uma porta fechada, feita de madeira finamente entalhada, e parou diante dela. Antes de bater, ouviu do outro lado uma voz doce de mulher que dizia baixinho:
- Meu filho, como você é parecido com seu pai.
- Quando é que ele vai voltar? - perguntou uma voz de menino pequeno. - Tenho muita vontade conhecer o meu pai.
- Alguma coisa me diz que ele já passou pelo nosso campo de trigo- disse a mulher. - Que também já viu nossos carneiros, já atravessou o rio, encontrou todas as nossas vacas, já chegou ao nosso palácio e está atrás da porta, quer ver?
A princesa abriu a porta e seus olhos brilharam como o sol da manhã.
Guiado pelo fio invisível do amor de uma princesa que sempre soube o que queria, o cesteiro Gambar voltou para casa, são e salvo, transformado num outro homem, pai de um belo menino, depois de uma longa viagem.

Conto armênio, recontado por 
Regina Machado 

sábado, 17 de agosto de 2013


A guardiã

No alto de uma colina, à beira de um rio caudaloso, muito largo e profundo, havia um castelo fortificado.
Nesse castelo vivia um guerreiro que não tinha medo de nada. Sua mulher, bela como uma árvore florida, possuía um dom muito especial. Por causa dela, o marido sempre retornava vitorioso de suas expedições pelas redondezas e lugares muito distantes.
Acontecia sempre da mesma maneira. O guerreiro selava seu cavalo e partia antes do amanhecer, quando a neblina e a escuridão ainda tomavam conta do lugar. Assim que ele desaparecia pelos portões da fortaleza, a mulher subia à torre do castelo e abria a janela de onde avistava toda a região. Ela estendia as mãos delicadas para fora da janela, na direção do caminho por onde o marido cavalgava. No mesmo instante, poderosos raios de luz brotavam de seus dedos finos clareando a estrada para que o marido pudesse viajar com segurança.
Durante todo o dia ele percorria diversas aldeias, lutando e roubando os bens de todos os que derrotava nas suas andanças. Depois ele voltava para casa em disparada, e já fazia noite escura quando ele surgia lá embaixo ao pé da colina, quase sempre perseguido por valentes inimigos. No entanto eles nunca o alcançavam, pois a mulher já o aguardava sentada à mesma janela da torre altíssima. Assim que o via no caminho, ela enviava, através de suas mãos, uma ponte de luz sobre o rio, iluminando- o fortemente para que o marido passasse. Assim que ele atingia a outra margem, ela retirava as mãos rapidamente. A mais negra escuridão apoderava-se daquele lugar de tal modo que os inimigos do marido ficavam completamente desorientados e acabavam desistindo da perseguição.
Assim protegido e guiado, o guerreiro do castelo do alto da colina nunca havia sofrido nenhuma derrota. O tempo foi passando, e ele, cada vez mais, sentia-se como o homem mais poderoso daquelas terras. Orgulhava-se de seus feitos e dizia que era invencível. Um dia ele havia convidado várias pessoas para um grande banquete e, enquanto festejavam, começou a vangloriar-se:
- Eu sempre atravesso o rio trazendo comigo muitos animais, e meus perseguidores não conseguem alcançar-me. Ainda não nasceu o homem que poderá me vencer.
A mulher escutou por um tempo, contrariada, depois disse baixinho:
- Mas você não acredita que faz tudo isso sem a ajuda de ninguém.
O marido olhou-a indignado, reprovando aquela intervenção:
- Que eu saiba, quando vou caçar, não levo ninguém comigo. Enquanto você passa o dia em segurança dentro do castelo, sou eu que me arrisco, que enfrento emboscadas, que preciso lutar com quem aparece no caminho, seja homem ou animal. Acho melhor você pensar mais no que diz antes de abrir a boca, para não se arrepender depois.
A mulher permaneceu em silêncio por algum tempo, depois levantou-se e, antes de retirar-se do grande salão, disse com tristeza:
- Você está completamente dominado pelo orgulho e pela vaidade. Sinto muita vergonha ao ver você nesse estado.
O marido ficou furioso. Respondeu-lhe que não precisava dela para nada e que iria provar o que estava dizendo. Assim que os convidados se foram, ele montou no seu cavalo e deixou o castelo sem se despedir da mulher.
Pela primeira vez, a janela da torre não se abriu enquanto ele percorria as planícies brumosas. E pela primeira vez sua expedição encontrou obstáculos maiores do que seu poder de vencê-los.
Depois de vários dias infrutíferos, vagando pelas aldeias, tendo pilhado uma carga insignificante, o guerreiro achou melhor voltar para casa. Ainda tentou roubar alguma coisa no caminho, mas ele se sentia tão desafortunado, tão confuso pelas sucessivas derrotas, que não lutou com a costumeira audácia e acabou tendo que fugir com as mãos vazias e vários inimigos em seu encalço.
Enquanto isso, sua mulher ficou sentada diante da janela fechada no alto da torre, no escuro, atenta. Ela só se levantava para comer alguma coisa leve uma vez por dia, ou então para cochilar um pouco quando o sono tomava conta dela.
Numa noite tenebrosa, no silêncio do aposento ela escutou ao longe a voz do marido chamando por ela. A aflição que ela sentia estava grudada na ponta de seus dedos unidos, imóveis sobre os joelhos. Ela sabia que não deveria atender o pedido de socorro, mesmo que seu coração aos pulos, dentro do peito, lhe pedisse o contrário. Afinal, ele havia dito que demonstraria ser um guerreiro notável, e por isso era necessário que ele fizesse tudo sozinho.
Angustiada,ela esperou até não mais ouvir a voz do marido. Além do rumor constante das águas do rio, nada mais se escutava. Ela continuou esperando, tentando distinguir cascos de cavalo ressoando no pátio do castelo, o som duro das botas do marido subindo a escadaria. Em vão ela ficou espreitando quase a noite inteira, até que não pôde mais se conter e abriu a janela. Estendendo as mãos ela varreu toda a região em baixo do castelo com fachos de luz, poderosos como sempre, mesmo que dessa vez brotassem de seus dedos trêmulos. Vasculhou a planície, as margens do rio, a encosta da colina, as muralhas do castelo. Não encontrou nenhum vestígio do guerreiro.
Recomeçou outra vez, com movimentos mais lentos e precisos, até que o foco luminoso deteve-se sobre um vulto caído em um rochedo à beira do rio. Pouco depois, quando ela chegou esbaforida àquele lugar, com os cabelos desalinhados e a respiração entrecortada de tanto correr feito louca entre as pedras, reconheceu a capa preta do marido. Rasgada e molhada, ela cobria o corpo do guerreiro inerte sobre a pedra. Ali a mulher ficou imóvel com as mãos sobre a cabeça do homem morto, embalada pelo doce murmúrio do rio, estranhamente calmo ao nascer do sol.
Depois, ela enterrou o marido naquele mesmo lugar e chorou muito tempo sobre o túmulo, completamente entregue à sua dor. Uma semana inteira durou sua vigília solitária. Até que ela viu ao longe um cavaleiro que se aproximava. O jovem sorridente que desceu do cavalo e acercou-se dela era belo e forte.
- O que faz uma mulher tão desolada sozinha neste lugar deserto? - ele perguntou.
A mulher das mãos de luz respondeu-lhe que ninguém poderia fazer nada por ela e que ele deveria ir embora.
O homem montou outra vez no seu cavalo e lhe disse que voltaria em breve. E que durante o tempo em que estaria ausente, ela podia pensar melhor, quem sabe poderia confiar nele e contar por que estava tão triste.
Enquanto ele cavalgava rio adentro, na direção da outra margem, a mulher se assustou e pensou que, com certeza, ele iria afogar-se. Mas logo, conduzindo o cavalo com grande habilidade por dentro das águas turbulentas, ele chegou a salvo do outro lado do rio.
"Esse homem é de fato muito audacioso, eu preciso pôr à prova seu valor", pensou a mulher à beira do túmulo do marido.
Pela primeira vez, depois de tanto sofrimento, ela se reanimou e invocou os poderes da Senhora das Águas. Levantando-se, com as mãos espalmadas na direção do céu, ela disse:
- Eu lhe peço, rainha poderosa, que esconda o sol atrás das nuvens e que uma grande tormenta torne o rio furioso, que suas águas invadam a terra em ondas gigantescas, que raios e trovões sacudam as árvores, que o dia se torne noite tenebrosa como se fosse o fim do mundo.
Seu pedido foi atendido. Talvez a temível deusa dos mares e dos rios tenha compreendido e concordado com as razões da mulher que chamava por ela, do fundo do coração. Deitada na relva, sacudida pela tempestade avassaladora, a mulher das mãos de luz percebeu que um cavalo galopava na sua direção. Quando se levantou, pôde ver o cavaleiro que tinha acabado de conhecer.
- Como você pôde voltar e arriscar-se a ser tragado pelas águas revoltas do rio? - ela perguntou muito assustada.
- É porque eu não poderia deixá-la sozinha nesta tempestade desvairada - ele respondeu.
Ela não soube o que dizer e finalmente sorriu, com uma satisfação que apenas brotava timidamente no seu peito machucado. O cavaleiro agasalhou-a com seu manto e, no instante em que os dois se sentaram juntos e aconchegados sobre uma pedra lisa, os poderes da Senhora das Águas fizeram-se presentes outra vez, serenando o tempo mais rapidamente do que as palavras seriam capazes de relatar. A tempestade cessou, o rio seguiu seu rumo mansamente, as águas brilhando à luz do sol que surgiu de repente no alto do céu azul. A terra verde respirava úmida, exalando um delicioso aroma de vida.
- O homem que está enterrado neste túmulo era meu marido - disse a mulher- E nós nos amávamos.
- Você se engana - retrucou o jovem cavaleiro. - Ele não a amava, ele amava apenas a si mesmo. Toda a terra à nossa volta está verde e coberta de flores, só este túmulo permanece seco, com a terra dura e inerte, sem florescer. Que este túmulo permaneça assim, estéril, para que as pessoas que só amam a si mesmas, ao passarem por aqui, sintam-se envergonhadas.
A mulher de mãos luminosas olhou para o céu e agradeceu à deusa em silêncio. O jovem cavaleiro a olhou com ternura e estendeu-lhe a mão. Ao segurá-la, a mulher sorriu e levantou-se. Ela teve a resposta que buscava quando sua mão deixou-se envolver pelo calor daquela mão valorosa, que num gesto firme devolveu-lhe, num único instante, o sentido de continuar viva.

Conto caucasiano, recontado por 
Regina Machado

domingo, 11 de agosto de 2013

"José, para onde?"


Na Estrada (quando Encontrei Dean Pela Primeira Vez) - Cordel de Fogo Encantado

Venho do morro venho da rua
Dos labirintos da terceira guerra
Venho do morro venho da rua
Do mundo novo de são saruê

E do tempo faz estradas
E do tempo faz estradas
Pra se chegar ao fim
Pra se chegar ao fim
Nossa vida é feita assim

Na estrada

Cosmologia livro das horas
Os argonautas a grande viagem noé

Vou por aqui vou por ali
O infinito é tão longe

Venho do morro venho da rua
Dos labirintos da terceira guerra
Estrada de pedra estrada de ferro
Os astronautas a retirada

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Os peixes não precisam de cordas... Mas de nadadeiras.


Lightness - Death Cab for Cutie

There's a tear in the fabric of your favorite dress
And i'm sneaking glances.
Looking for the patterns in static
They start to make sense the longer i'm at it.

Ivory lines lead
Oo wha-ho, oo wha-ho

Your heart is a river that flows from your chest
Through every organ
Your brain is the dam
And i am the fish who can't reach the cord.

Ivory lines lead
Oo wha-ho, oo wha-ho

Oh, instincts are misleading
You shouldn't think what you're feeling
They don't tell you what you know you should want.

Ivory lines lead
Oo wha-ho, oo wha-ho
[x2]

Oh, instincts are misleading
You shouldn't think what you're feeling
They don't tell you what you know you should want.

Ivory lines lead
Oo wha-ho.
[x2]