segunda-feira, 30 de maio de 2016


Faltando um pedaço - Djavan

O amor é um grande laço
Um passo pr'uma armadilha
Um lobo correndo em círculo
Pra alimentar a matilha
Comparo sua chegada
Como a fuga de uma ilha
Tanto engorda quanto mata
Feito desgosto de filha,
De filha

O amor é como um raio
Galopando em desafio
Abre fendas, cobre vales
Revolta as águas dos rios
Quem tentar seguir seu rastro
Se perderá no caminho
Na pureza de um limão
Ou na solidão do espinho

O amor e a agonia
Cerraram fogo no espaço
Brigando horas a fio
O cio vence o cansaço
E o coração de quem ama
Fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando
Que nem o meu nos seus braços

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Overdose Poética


Namorados 
Manoel Bandeira 

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
-Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
-Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listrada?
A moça se lembrava:
-A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
-Antônia, você parece uma lagarta listrada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
-Antônia, você é engraçada! Você parece louca.

VIDA/TEMPO 
Viviane Mosé 


    Quem tem olhos pra ver o tempo
    Soprando sulcos na pele
    Soprando sulcos na pele
    Soprando sulcos?
    O tempo andou riscando meu rosto
    Com uma navalha fina
    Sem raiva nem rancor.
    O tempo riscou meu rosto com calma
    Eu parei de lutar contra o tempo
    ando exercendo instantes
    acho que ganhei presença.
    Acho que a vida anda passando a mão em mim.
    A vida anda passando a mão em mim.
    Acho que a vida anda passando.
    A vida anda passando.
    Acho que a vida anda.
    A vida anda em mim.
    Acho que há vida em mim.
    A vida em mim anda passando.
    Acho que a vida anda passando a mão em mim.
    E por falar em sexo
    Quem anda me comendo é o tempo
    Na verdade faz tempo
    Mas eu escondia
    Porque ele me pegava à força
    E por trás.
    Um dia resolvi encará-lo de frente
    E disse: Tempo,
    Se você tem que me comer
    Que seja com o meu consentimento
    E me olhando nos olhos
    Acho que ganhei o tempo
    De lá pra cá
    Ele tem sido bom comigo
    Dizem que ando até remoçando.

    I
    Manoel de Barros 
    O mundo meu é pequeno, Senhor.
    Tem um rio e um pouco de árvores.
    Nossa casa foi feita de costas para o rio.
    Formigas recortam roseiras da avó.
    Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
    maravilhosas.
    Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
    com aves.
    Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
    besouros pensam que estão no incêndio.
    Quando o rio está começando um peixe,
    Ele me coisa
    Ele me rã
    Ele me árvore.
    De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
    os ocasos.

    IV  
    Onjaki


    há no silêncio do ar
    uma paz autorizada...
    um murmúrio lírico
    no renascimento
    de cada momento.
    o pássaro brinca entre uma nota de assobio
    e um sopro de vento.
    a borboleta adormece — encantada.
    (...)
    para haver paz
    há que caminhar silêncios.


    Poema em linha reta
      Álvaro de Campos

    Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
    Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. 

    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
    Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
    Indesculpavelmente sujo.
    Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
    Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
    Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
    Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
    Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
    Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
    Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
    Para fora da possibilidade do soco;
    Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
    Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. 
    Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
    Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
    Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
    Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
    Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
    Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
    Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
    Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
    Ó principes, meus irmãos, 
    Arre, estou farto de semideuses!
    Onde é que há gente no mundo? 
    Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?  Poderão as mulheres não os terem amado,
    Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
    E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
    Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
    Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
    Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. 
     
     

    Aviso da Lua que menstrua
    Elisa Lucinda

    Moço, cuidado com ela!
    Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
    Imagine uma cachoeira às avessas:
    cada ato que faz, o corpo confessa.
    Cuidado, moço
    às vezes parece erva, parece hera
    cuidado com essa gente que gera
    essa gente que se metamorfoseia
    metade legível, metade sereia.
    Barriga cresce, explode humanidades
    e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
    mas é outro lugar, aí é que está:
    cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita..
    Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
    que vai cair no mesmo planeta panela.
    Cuidado com cada letra que manda pra ela!
    Tá acostumada a viver por dentro,
    transforma fato em elemento
    a tudo refoga, ferve, frita
    ainda sangra tudo no próximo mês.
    Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
    é que chegou a sua vez!
    Porque sou muito sua amiga
    é que tô falando na "vera"
    conheço cada uma, além de ser uma delas.
    Você que saiu da fresta dela
    delicada força quando voltar a ela.
    Não vá sem ser convidado
    ou sem os devidos cortejos..
    Às vezes pela ponte de um beijo
    já se alcança a "cidade secreta"
    a Atlântida perdida.
    Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
    Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
    cai na condição de ser displicente
    diante da própria serpente
    Ela é uma cobra de avental
    Não despreze a meditação doméstica
    É da poeira do cotidiano
    que a mulher extrai filosofando
    cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
    julgando a arte do almoço: Eca!...
    Você que não sabe onde está sua cueca?
    Ah, meu cão desejado
    tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
    então esquece de morder devagar
    esquece de saber curtir, dividir.
    E aí quando quer agredir
    chama de vaca e galinha.
    São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
    O que você tem pra falar de vaca?
    O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
    VACA é sua mãe. De leite.
    Vaca e galinha...
    ora, não ofende. Enaltece, elogia:
    comparando rainha com rainha
    óvulo, ovo e leite
    pensando que está agredindo
    que tá falando palavrão imundo.
    Tá, não, homem.
    Tá citando o princípio do mundo!


    Bendito
    Adélia Prado

    Louvados sejas Deus meu Senhor,
    porque o meu coração está cortado a lâmina,
    mas sorrio no espelho ao que,
    à revelia de tudo, se promete.
    Porque sou desgraçado
    como um homem tangido para a forca,
    mas me lembro de uma noite na roça,
    o luar nos legumes e um grilo,
    minha sombra na parede.
    Louvado sejas, porque eu quero pecar
    contra o afinal sítio aprazível dos mortos,
    violar as tumbas com o arranhão das unhas,
    mas vejo Tua cabeça pendida
    e escuto o galo cantar
    três vezes em meu socorro.
    Louvado sejas porque a vida é horrível,
    porque mais é o tempo que eu passo recolhendo despojos,
    – velho ao fim da guerra como uma cabra –
    mas limpo os olhos e o muco do meu nariz,
    por um canteiro de grama.
    Louvados sejas porque eu quero morrer,
    mas tenho medo e insisto em esperar o prometido.
    Uma vez, quando eu era menino, abri a porta de noite,
    a horta estava branca de luar
    e acreditei sem nenhum sofrimento.
    Louvado sejas!


    Poema Veinte
    Pablo Neruda

    Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

    Escribir por ejemplo: "La noche está estrellada, y tiritan,
    azules, los astros, a lo lejos".

    El viento de la noche gira en el cielo y canta.

    Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
    Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

    En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
    La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

    Ella me quiso, a veces yo también la quería
    Como no haber amado sus grandes ojos fijos.

    Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
    Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

    Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella
    Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.

    Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
    La noche está estrellada y ella no está conmigo.

    Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
    Mi alma no se contenta con haberla perdido.

    Como para acercarla mi mirada la busca,
    Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

    La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
    Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

    Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
    Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.

    De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
    Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

    Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
    Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

    Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
    Mi alma no se contenta con haberla perdido.

    Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
    y éstos sean los últimos verso que yo le escribo.



     Necrológio dos desiludidos do amor
    Carlos Drummond de Andrade

    Os desiludidos do amor
    estão desfechando tiros no peito.
    Do meu quarto ouço a fuzilaria.
    As amadas torcem-se de gozo.
    Oh quanta matéria para os jornais.
    Desiludidos mas fotografados,
    escreveram cartas explicativas,
    tomaram todas as providências
    para o remorso das amadas.
    Pum pum pum adeus, enjoada.
    Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
    seja no claro céu ou turvo inferno.
    Os médicos estão fazendo a autópsia
    dos desiludidos que se mataram.
    Que grandes corações eles possuíam.
    Vísceras imensas, tripas sentimentais
    e um estômago cheio de poesia.
    Agora vamos para o cemitério
    levar os corpos dos desiludidos
    encaixotados competentemente
    (paixões de primeira e segunda classe).
    Os desiludidos seguem iludidos,
    sem coração, sem tripas, sem amor.
    Única fortuna, os seus dentes de ouro
    não servirão de lastro financeiro
    e cobertos de terra perderão o brilho
    enquanto as amadas dançarão um samba
    bravo, violento, sobre a tumba deles.



    Noções
    Cecília Meireles  

    Entre mim e mim, há vastidões bastantes
    para a navegação dos meus desejos afligidos.


    Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
    Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que
    a atinge.


    Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
    só recolho o gosto infinito das respostas que não se
    encontram.


    Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a
    Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
    e este abandono para além da felicidade e da beleza.


    Ó meu Deus, isto é a minha alma:
    qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e
    precário,
    como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e
    inúmera...



    Amar  
    Carlos Drummond de Andrade 

    Que pode uma criatura senão,
    Entre criaturas, amar?
    Amar e esquecer, amar e malamar,
    Amar, desamar, amar?
    Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
    Que pode, pergunto, o ser amoroso,
    Sozinho, em rotação universal, senão
    Rodar também, e amar?
    Amar o que o mar traz à praia,
    O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
    É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
    Amar solenemente as palmas do deserto,
    O que é entrega ou adoração expectante,
    E amar o inóspito, o áspero,
    Um vaso sem flor, um chão de ferro,
    E o peito inerte, e a rua vista em sonho,
    E uma ave de rapina.
    Este o nosso destino: Amor sem conta,
    Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
    Doação ilimitada a uma completa ingratidão,
    E na concha vazia do amor à procura medrosa,
    Paciente, de mais e mais amor.
    Amar a nossa falta mesma de amor,
    E na secura nossa, amar a água implícita,
    E o beijo tácito, e a sede infinita.


    Amor 
    Carlos Drummond de Andrade


    Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção. Pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

    Se os olhares se cruzarem e neste momento houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.

    Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante e os olhos encherem d’água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
    Se o primeiro e o último pensamento do dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente divino: o amor.
    Se um dia tiver que pedir perdão um ao outro por algum motivo e em troca receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.
    Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e a outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e enxugá-las com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida.
    Se você conseguir em pensamento sentir o cheiro da pessoa como se ela estivesse ali do seu lado… se você achar a pessoa maravilhosamente linda, mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados…
    Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso pelo encontro que está marcado para a noite… se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado…
    Se você tiver a certeza de que vai ver a pessoa envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção de que vai continuar sendo louco por ela… se você preferir morrer antes de ver a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida. É uma dádiva.
    Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam ou encontram um amor verdadeiro. Ou às vezes encontram e por não prestarem atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.
    É o livre-arbítrio. Por isso preste atenção nos sinais, não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o amor.