quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Mon berceuse...

Andei em busca de vestígios de outras horas tão queridas, vividas num verão distante, mas bem próximo do meu coração. Aquela moça a quem ouvíamos atentos, tão cheia de descrições vivas e interessantes. Um vocabulário fremente, lascivo e objetivo. De trombones vocais a ais... Orgásticas sínteses, ingênuas colocações. Arrancando risadas, sorrisos, silêncios, admirações. Foi ela quem disse: "Você precisa escolher pelo que vai sofrer"... Foi quem matou o Deus... Abriu as comportas da vida e lutou arduamente para entender um novo rumo...
Senti saudades de um tempo em que ela andava ao meu lado, me enchendo a vida de novidades, lembrando ininterruptamente de causos e histórias. Emitindo opiniões, chamando atenções, causando desejos... Cheia de um ímpeto artístico, uma lucidez jovem, questões pedindo afirmações. Ou afirmações que causavam questionamento. Mobilizando as gentes, ela ia passeando... Cheia de ideias e vontades... e tanta poesia... e tanto amor...
Às vezes... às vezes ela se calava... corava um pouco. Todos se admiravam... E logo sorria, caía numa gargalhada! Outra história coloria a noite e todos éramos felizes, neste instante de presente, de presença. O estar junto, entre amigos, quase amantes... E ela, tão provocante... Sempre disposta a buscar mais lenha e inflamar a chama de uma madrugada, que começava cedo e não terminava nunca...
Talvez, ninguém soubesse, mas quando ia só pelo mundo refletia... se angustiava, rebelava-se contra o Deus. Chorava, sofria... horas ininterruptas de lágrimas, até que a nova dança a arrebatasse... E novamente era a deusa das noites longas, embalada pela música fugidia e inconstante, porém sempre presente.
Nalgumas noites, inesperadamente o sono fugia pelas terras do Nunca. Ela se levantava abruptamente e ia caminhar pela madrugada. Em busca do sono, ouvindo o silêncio, a poesia nova a acariciava por detrás do ouvido... Ela se arrepiava toda, sem saber se era de frio ou de surpresa. Só eu, de tão observador, fui capaz de notar quando a mulher fugia de repente... Quando sentia a solidão pesada demais... Quando as estrelas eram um acolhimento, um alívio e uma evolução...
Sim, muitas vezes, ela buscava afirmação... A segurança tão desejada pelas gentes, ia caminhando sem saber muito bem por onde ir, mas com a certeza de que não poderia estar ali parada. Tantos desejos a mobilizaram... Tantas vontades a arrebataram. E pelos caminhos postos ela foi caminhando, caminhando.
Não sei bem por qual motivo exato, me lembrei de uma noite em que ela afirmara ter sido possuída pelo mundo... Todos na sala, teceram comentários acerca da afirmação, as risadas e insinuações, os desejos percorrendo o espaço e ela risonha em seu sentido único. Tão viva, que incomodava... De um vermelho encarnado a sua presença.
Cada um de nós, seguimos rumos diversos. Arranjamos novos interesses, novas casas, novos companheiros, novas realidades, fizemos as nossas escolhas, como ela mesmo dissera, escolhemos pelo o que queríamos sofrer.
E fico pensando... Numa dessas noites, um dos presentes na sala, dissera da natureza de sua matéria... Que era oriundo das areias do deserto... Fico pensando, que ela era oriunda das lavas de um vulcão, como também das águas do mar, bem como das pedras dos rios, também ainda dos ventos do norte... Penso que ela era feita toda de vulcão, mar, cachoeira e todos os ventos matreiros.
Sinto saudades daquela moça cheia de sonhos, volúpias, desejos. Cheia de uma vivacidade, sem medo de sofrer por amor, de perder um sapato, de gastar a poupança, de encarar os desafios, de viver intensamente. Penso que ela nasceu mesmo, foi para colorir os nossos dias... Nos inflamar de coragem.

Danieli de Castro 

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