Acontece que, uma noite, todas as tribos que viviam ao longo do rio foram atacadas por ladrões, e Hsiung, o urso, foi convocado para liderar um grupo de combate aos criminosos.
O líder dos ladrões era muito hábil nas artes marciais, perito em estratégias de combate. Além disso, ele contava com a ajuda de feiticeiros capazes de invocar a neblina, tempestades de raios e terríveis nevascas.
Mesmo assim, Hsiung conseguiu capturá-lo após uma luta intensa. Porém, após ser derrotado num duelo, o líder escapuliu, auxiliado pela neblina enfeitiçada lançada para protegê-lo. Para piorar a situação, Hsiung e seus guerreiros foram lançados no meio de um labirinto e nele vagaram famintos e exaustos durante muito tempo.
Quando percebeu que seus homens começavam a fraquejar, Hsiung decidiu invocar a proteção dos espíritos guardiões dos abismos inexpugnáveis. Ele se ajoelhou e entoou uma prece em sua homenagem. Logo depois, uma delicada luminosidade clareou-lhes o caminho e uma voz doce lhe disse:
- Hsiung, o urso, eu sou a Senhora dos Nove Céus e preciso dizer-lhe que foi destinado a unir as tribos e ser seu rei. Por isso, nossa Imperatriz Celestial pediu que eu lhe entregasse esses presentes.
Primeiro, ela lhe entregou um imã - dizendo-lhe:
- Este imã sempre aponta para o sul. Assim, caso você esteja desorientado por causa da neblina, a pedra o ajudará a encontrar seu caminho.
Depois, ela lhe deu dois livros e disse:
- O primeiro livro o ensinará a prever os movimentos de seu inimigo. O outro o ensinará como derrotar o líder dos ladrões.
Além desses presentes, a Senhora dos Nove Céus lhe entregou diversos talismãs, como bandeiras mágicas, penas de águia e espadas invencíveis.
Os livros continham tesouros da sabedoria e, entre vários ensinamentos, Hsiung aprendeu o seguinte:
Quando uma forma se move, ela produz uma sombra, não outra forma. Quando um som reverbera, produz um eco, não outro som. A imobilidade não gera imobilidade, mas movimento.
Embora as coisas sejam aparentemente diferentes, elas vêm de uma mesma origem e voltarão para a mesma fonte. Algumas coisas duram mais, outras menos. As pessoas usam as palavras "começo" e "fim" mas, começo é quando a energia se reúne e fim é quando ela se dissipa. A energia reunida pode se dissolver, se as condições forem desfavoráveis; a energia dissolvida pode se juntar novamente, se as circunstâncias forem adequadas. Portanto como se pode saber quando algo começa ou termina?
Nosso espírito é produto do céu e nossos ossos são produtos da terra. Quando eles não conseguem mais permanecer juntos, cada parte retorna à fonte. O que é puro e luminoso vai para o céu, o que é enlameado e pesado fica absorvido pela terra.
Quando isso acontece, dizemos que a pessoa virou um fantasma. Em chinês, a palavra que designa fantasma, "Kuei", também significa retorno. Então, tornar-se um fantasma quer dizer regressar ao céu e à terra. Portanto, a morte não é o fim, mas uma volta à origem. Durante a morte, os componentes que formaram uma pessoa regressam ao seu estado de origem, antes de terem formado uma pessoa.
Nosso tempo nesse mundo é uma jornada através do ciclo que chamamos de vida. Como convidados, ficamos um tempo nesse reino antes de partirmos para outro. E quem saberá dizer quanto tempo esse viajante permanecerá no outro reino antes de voltar a visitar a terra dos vivos?
Depois de terminar suas leituras, Hsiung sentiu-se apto para o confronto e voltou a desafiar o líder inimigo. Durante o duelo, quando percebeu que perdia, o ladrão novamente chamou seus feiticeiros para que invocassem uma espessa neblina. Porém, desta vez, Hsiung havia se protegido e, usando o imã, encontrou seu caminho, perseguindo o inimigo até capturá-lo.
Ao sair vitorioso do embate, Hsiung foi aclamado como o Imperador Amarelo, sendo capaz de reunir todas as tribos sob seu reinado.
Anos de paz e prosperidade seguiram-se em toda aquela região do rio e, lembrando-se de como os livros o haviam ajudado no passado, o imperador foi tomado pelo desejo profundo de retomar o estudo sobre os ensinamentos do caminho do Tao. Nessa mesma ocasião, chegou ao seu reino um sábio, que se refugiou numa caverna, e o imperador foi ao seu encontro.
- Quero aprender sobre a sabedoria do Tao - ele lhe disse.
E o sábio lhe respondeu:
- Depois que sua majestade assumiu a liderança de sua nação, a prosperidade instalou-se entre seus súditos. A chuva cai sem tempestades, as árvores espalham suas folhas ao sabor de brisas suaves e a luz do sol e da noite banham os desertos.
Intrigado, o Imperador Amarelo regressou ao palácio e ficou pensando: " O sábio quis me dizer que quando as coisas seguem o fluxo natural do Tao, elas se renovam naturalmente. Mas, após tantos anos de reinado, sinto-me velho e cansado. Isso significa que não estou me renovando. Devo estar cometendo algum erro grave."
Alguns meses depois, lá se foi o imperador conversar novamente com o sábio. Ao vê-lo, ele lhe perguntou:
- Por que voltou, sua majestade?
- Sinto-me cansado, preciso aprender como me renovar - ele explicou.
- O Tao - respondeu o sábio - não tem forma. É invisível. É inaudível. Mas se o senhor esvaziar o coração e aquietar a mente, a energia do Tao se manifestará.
Na volta ao palácio, o imperador mandou construir um abrigo. Afastou-se das questões políticas e tentou esvaziar o coração. Porém, a cada dia que passava, mais fraco ele ficava e, pela terceira vez, voltou à caverna do sábio.
- Caro mestre - ele disse - , obedeci às suas instruções e só fiquei pior.
Foi então que o mestre lhe disse:
- Sua majestade nasceu para reinar. Esta é a sua natureza original.
Finalmente, o Imperador Amarelo compreendeu seu erro.
- O senhor está certo - ele disse ao sábio. - Antes, eu estava tão envolvido com meu reinado que me esquecia de cuidar de mim mesmo. Depois, fiquei tão ocupado comigo mesmo que me esqueci de meu reino.
Daquele momento em diante, o imperador tratou de encontrar um equilíbrio, conciliando tudo o que fazia. Reinando e estudando, um dia criou a pílula da imortalidade. Chamou seu mais fiel ministro e o declarou sucessor de seu cargo. Em seguida, ingeriu a pílula e, simplesmente, adormeceu.
Sonhou que montava no dorso de um imenso dragão e voava até alcançar a terra dos imortais. Nesse reino não havia líderes ou professores, pois ninguém era mais sábio do que o outro. As pessoas não ficavam loucas para desfrutar os prazeres da vida, mas também não temiam a morte, vivendo em paz. Entre elas não havia preconceitos ou preferências. Seus habitantes não sabiam o significado da atração ou da repulsa, portanto não gastavam tempo desejando ou detestando as coisas.
Como não havia nada a temer, elas nadavam debaixo da água sem afogar-se, caminhavam pelo fogo, sem queimar-se. Podiam cortar-se em espadas, sem sofrer ferimento algum. Flutuavam no espaço como se estivessem caminhando em solo firme. As nuvens e a neblina não impediam sua visão, os trovões não os ensurdeciam, tanto a beleza quanto a feiúra eram consideradas normais. Viajantes do espírito caminhavam descalços nos caminhos mais perigosos, saltavam de precipícios e voavam até vales distantes.
Quando despertou, o Imperador Amarelo sentiu-se iluminado. Reuniu seus ministros e lhes disse:
- Passei três meses tentando descobrir a melhor maneira de governar um país. Porém, a resposta veio por meio de um sonho e não por meio do raciocínio. Agora sei que o Caminho não pode ser trilhado pelo pensamento. Ele só é alcançado quando a gente para de se preocupar. Em seguida, o Imperador Amarelo lhes falou a respeito de seu lindo sonho.
Vinte anos depois, o reino do Imperador Amarelo chegou a ficar bem parecido com a terra mítica de seu sonho, pois ele se tornara um governante de sabedoria excepcional.
Nas terras dos seres imortais, o alimento vem das nuvens e da neblina e seus habitantes têm a mente tão clara quanto um lago cristalino. Ninguém envelhece, pois todos permanecem abertos, amistosos e espontâneos como crianças. As pessoas cumprem suas obrigações e ajudam os semelhantes. Não há temor, nem raiva ou tensão. Ninguém é superior ou inferior. O Sol e a Lua emitem uma luz delicada, as estações são suaves e a terra é rica. As divindades abençoam a Terra e os monstros não se aproximam dela. Esta é a Terra que o Imperador Amarelo visitou durante o sonho.
Lieh tse
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